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Quebrando Tudo: o pagode baiano no centro do debate

setembro 21, 2023

“Um gênero musical no limite do aceitável”, é como eu terminava o que se chamaria “Pagode e perigo: rediscutindo contendas de gênero na Bahia”, artigo publicado há alguns anos na Campos – Revista de Antropologia. Pouco conclusivo, o arremate se endereçava a questões da vida moral e violência de gênero, enlace que minha análise buscava desfiar.

Aquelas palavras me aproximam, hoje, dos dez anos que nos afastam do Quebrando Tudo, evento que originou o texto. A iniciativa reunia um corpo heterogêneo de artistas, talvez ativistas, mas sobretudo estudiosos que se interessavam em pensar o pagodão.

Oferecer dignidade ao pagode baiano não era o caso; primeiro, porque o pagode não carece de defesa; depois, porque dançar – se quisermos, quebrar – é inteligência, é já pensamento. “Dar voz” não envernizava a semântica das nossas exposições, nem se reclamava “lugar de fala”. Consolidados ou emergentes, com todo respeito a esses paradigmas, que em larga medida também são paradigmas éticos, éramos menos pretensiosos.

Tentamos uma segunda edição, daquela vez em Cachoeira. Ah, Cachoeira escapa em definitivo de qualquer papo sobre pretensão. Não é pretensão. Que o samba de roda do Recôncavo revela-se no pagodão como a sua matriz cultural, nós todos sabemos. Mas nem o dão do pagode (o fenômeno é superlativo) e nem a maravilhosidade do Cine Teatro Cachoeirano bastam para considerarmos exitoso o Quebrando Tudo.

Eu falava num corpo disperso de agentes, e talvez possamos, agora, alcançar o maior trunfo da aventura Quebrando Tudo: o modo com que, não sem alguma saudade, seguimos. Dispersos. No Quebrando Tudo, era em meio à dissonância que nos topávamos com o ritmo e com a harmonia .

Em tempos de redes abafadas por convicções, sinto falta de quebrar tudo. Antes de uma recusa a falar para convertidos, quebrar tudo me soa sempre um convite, como um espaço (e também um tempo) para hesitar. Oportunidade. Não é apenas ousado como corajoso seguir com o problema.

Enquanto convidado (mas entusiasta de primeira hora), posso dizer que no Quebrando Tudo a surpresa da dúvida, as delícias do desafio, o enlevo da provocação, predominavam sobre o caráter do encontro, instituíam o caráter de encontro, então cultivo de novas imaginações políticas.

Entre os indóceis acadêmicos da primeira, da segunda e das edições que não chegarão a acontecer, não existe hiato. Cultura popular é zona de perigo. Eis nosso ponto pacífico. Se no Quebrando Tudo uma assertiva tal não pode figurar contradição em termos, não deixemos de quebrar. É tempo ainda, Quebrando Tudo é e não é uma metáfora.