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Alvorada *

julho 19, 2021

* Texto veiculado originalmente no perfil de Instagram do autor em 14/04/2021, período em que o filme foi lançado no festival É Tudo Verdade

Luzes se apagam. É cinema, é tudo verdade, é Alvorada. A voz que nos introduz ao filme, já a conhecemos, e não é a da presidenta Dilma. Como vota, deputado? A abertura ecoa o emblemático, porque sabidamente prolongado e estarrecedor, voto de Jair Bolsonaro, vociferando quando ainda parlamentar. Sua manifestação remonta à fatídica noite em que a Câmara decide pela abertura do impeachment, processo que termina por destituir Dilma Rousseff da cadeira da Presidência da República.

Embora toda voz tenha um rosto, Lô Politi e Anna Muylaert poupam a nós, espectadores, quiçá um Brasil, de se ver no espelho. Nem por isso deixamos de nos sobressaltar com o que de colérico escutamos. Aquela voz, afinal, tem e não tem um rosto. Pertence ao titular, poderoso de ocasião, do mais alto cargo do executivo federal, mas se confunde também com a do nosso vizinho de porta. É difícil precisar, testemunhamos igual.

O incômodo instaurado por essa escolha das diretoras anuncia que o Alvorada tem algo de obscurantismo nascente – logo, talvez seja um filme principalmente sobre, se não para, o depois. Histórico por excelência. Sem rosto, não apenas porque o que vemos não agrada, mas porque a visão é um sentido que insinua horizontes, experiência demasiado remota nestes dias turvos.

Já de princípio o filme nos coloca invariavelmente no tempo presente. Por outro lado – mais uma vez de forma acertada – nos dispõe no Palácio do Alvorada, estada que passamos em companhia de uma Dilma resistente ao golpe e recalcitrante a câmeras. Se, enquanto ambiente de morada e ofício da presidenta, aquelas instalações consistem na condição para lá estarmos, podemos argumentar que há um pouco da gente e de cada um, que se vai, talvez encaixotado na mudança a transportar para algures a mobília em seu bota-fora; derradeiras cenas do longa. Neste sentido, não deve ser obra do acaso assistirmos ao filme confinados.

Deixamos o Alvorada com Dilma, em sua sóbria e ainda enigmática bravura, mas também com Lô Politi e Anna Muylaert, cuja sensibilidade, ao eximir a narrativa de explicações, faz falar a atmosfera daqueles dias palacianos.