Primeiro mote, ou quem pode falar

Essa página, que fora criada ontem por mim, visa constituir um espaço onde eu possa livremente manifestar a minha opinião sobre temas de relevância ou mesmo trivialidades cotidianescas.

Léo Kret na sua atividade profissional
Léo Kret na sua atividade profissional

Desde a polêmica gerada acerca da eleição da Léo Kret, a qual diversas vezes — a maioria delas, não por iniciativa minha — tornou-se pauta da discussão de grupos em que estive presente, emito a minha opinião em atenção à certa especificidade da cultura política soteropolitana que a elegeu. Então, embora o tema certamente já tenha exaurido parte dos/as possíveis leitores/as desse espaço, vejo como uma boa oportunidade de ensaiar um prelúdio do mesmo, tomando como ponto de partida a entrevista concedida pelo professor Dr. Luiz Mott ao jornal A Tarde, publicada no último domingo (16).

Gostaria de comentar outros trechos da entrevista, talvez o faça. No entanto, por hora, pretendo limitar-me a essa questão:

“_Vocês se arrependem de não terem apoiado Leo Kret nas eleições para a Câmara Municipal?
A Leo Kret frequentou durante três anos o projeto “Se Ligue”, do GGB, indo a mais de 100 reuniões. De modo que o que ela sabe hoje sobre direitos humanos, homossexualidade e AIDS, foi no GGB que aprendeu. As primeiras entrevistas, os primeiros vídeos, foram feitos na sede do GGB. O Marcelo Cerqueira chegou até a oferecer a ela uma roupa para que ela desfilasse certa vez e na parada de 2007 ela recebeu a faixa de fadinha e esteve no alto do trio principal. Porque nós sempre apoiamos e tentamos ensinar a Leo Kret a ser uma pessoa de respeito, com menos espalhafato e mais conteúdo. Mas jamais qualquer pessoa em sã consciência indicaria um jovem de 23 anos, com pouca escolaridade e sem nenhuma formação política, para representar a comunidade homossexual na Câmara de Vereadores. Leo Kret, objetivamente, não tem o perfil de uma liderança comunitária, embora tenha recebido os 12 mil votos, sobretudo de pagodeiros e pessoas que, segundo a interpretação de inúmeros cientistas sociais com quem conversei, representa um voto não de protesto, mas de esculhambação, como em São Paulo as velhinhas elegeram Clodovil, não pelo fato de ele ter um projeto político dos homossexuais, mas porque muitos heterossexuais gostam do gay efeminado, espalhafatoso, palhacinho, etc. Eu tenho certeza que Leo Kret vai fazer um ótimo mandato. Basta que seus assessores copiem as 300 e tantas ações afirmativas aprovadas na conferência LGBT e que essas propostas sejam apresentadas e aprovadas. Mas nem os próprios assessores gays ou representantes do movimento LGBT da Bahia votaram em Leo Kret. Não fui apenas eu ou o GGB a dizer que ela não representa o movimento, mas vamos para a realidade que, eleita, estamos apoiando. Mas os candidatos que ofereciam propostas e projetos e um histórico de militância, Marcelo Cerqueira e Valquírima, do grupo Palavra de Mulher Lésbica, eram os candidatos sintonizados com a militância baiana”.

Como pode ser apreciada, na entrevista, o antropólogo Luiz Mott, a fim de aferir juízo de valor em relação a determinado grupo social (supondo serem os “pagodeiros” um grupo homogêneo), parte da premissa da clássica — e, não obstante, recorrente — distinção entre baixa cultura e alta cultura, paradigma que já vem sendo quebrado desde o deslocamento dos modelos europeus de alta cultura, seguido pela emergência dos Estados Unidos como potência mundial, centro de produção e circulação de cultura, e da descolonização do Terceiro Mundo (West apud Hall, 2008).

Não conheço os/as eleitores/as da Léo Kret, não posso, embora verdadeiramente o quisesse, entender o/s fator/es que orientaram o seu voto, ou, quiçá, o que entender por “esculhambação”. O professor Luiz Mott, segundo ele próprio diz na entrevista, cobrara da Léo Kret uma postura séria, recrutara-a à uma identidade específica, isso porque ele já entendera como a forma é importante (ainda que ele alegue sobretudo uma certa ausência de conteúdo), a corporeidade importa e é elemento preponderante para a constituição de “modelos” evocados pelo marketing político. Os/as candidatos/as também já há muito entenderam isso — não me resta dúvida — no entanto, não me parece condizente esse “modelo” para a compreensão do fênomeno Léo Kret e, portanto, não me parece servir como um dispositivo que operacionaliza-se universal e massivamente, caso contrário, militantes históricos/as do movimento LGBT baiano e nacional teriam sido eleitos/as. Assim, a eleição da nova vereadora reivindica certa — permitam-me o clichê — quebra paradigmática, revisão ou reconstituição dos então dados, o que decerto facilitaria a vida de quem se preocupa em compreender esse processo.

Sobre os “pagodeiros”, a própria Léo Kret, em entrevista dada após a eleição, já havia apontado que fora eleita por várias pessoas da periferia que se identificam com o pagode. Também não é novidade a imediata analogia do militante Mott à uma série de valores que inferiorizam os “pagodeiros”. Embora muitas letras do pagode sejam carregadas de machismo e homofobia, gostar e identificar-se com a música — que não resume-se à letra — não necessariamente significa compartilhar de todos os valores nela sublinhados, quando votar em Léo Kret pode denotar a alternativa de escolher uma candidata que consegue dialogar com o seu mundo. Portanto, sugiro que o fenômeno da sua eleição pode ser muito mais rico do que pode a priori parecer, embora sofra constantes tentativas de deslegitimação em nome, inclusive, da autoridade intelectual evocada pelos/as tais cientistas sociais, que perpassam pela austera estigmatização de quem consome a cultura de massa, o que me lembra os filósofos políticos que consideram o eleitorado (ou “dominados”) leigo, para não dizer estúpido, caindo num visível preconceito classista (supondo a associação dos “pagodeiros” às classes populares). Sugiro, então, a leitura do Cosmopolitismo do pobre, do escritor gay — em respeito à sua identidade — Silviano Santiago.

Quanto ao mandato da Léo Kret, caso ela se utilize, como apostou o professor Luiz Mott, das propostas encaminhadas pela sociedade civil organizada, a partir da Conferência Nacional dos Direitos LGBTs, me sentirei muito satisfeito enquanto homossexual. Participei da etapa territorial (da Região Metropolitana) e fui delegado da etapa estadual. Espero, não sem otimismo, que o nosso empenho na Conferência seja útil ao mandato da vereadora, amenizando os déficits do nosso sistema representativo. 

 

Referência Bibliográfica

HALL, Stuart. Da diáspora – identidades e mediações culturais. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2008.

 

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7 Respostas to “Primeiro mote, ou quem pode falar”

  1. Anselmo Chaves Says:

    Olá,

    Gostei do seu texto pela calma com que você analisa. No entanto, percebo também em você um espírito democrático e que, por isso, carrega, no fundo, um grande nervoso contra toda aristocracia do espírito.

    E, de fato, toda modernidade – e você parece representá-la bem nesse texto – é fortemente marcada pelo ódio à hierarquia, à diferença entre alta e baixa cultura, à crítica à cultura de massa.

    Não surpreende portanto que, sob esse ponto de vista, você tenha considerado a avaliação de Mott inadequada – se li com atenção. Mas a questão é: você já olhou o que se encontra na base desse espírito moderno? E quais são as consequências de seu desenvolvimento?

    Um abraço e sucesso em seu trabalho.

  2. Zenaide Says:

    aai querido ahazou bjs.
    seu blog tá lindo, ultra camp, me senti uma dandi vendo esse template.
    você nasceu pra brilhar, tem futuro na globo bjs.

  3. Jorge Almeida Says:

    Maycon,
    Parabéns pela iniciativa e pela qualidade do seu texto. Vamos ficar torcendo para que voce consiga manter Blog vivo e com regularidade. Abraço, Jorge.

  4. Nívia Maria Says:

    Senho L.

    Fico feliz por perceber a coerência de suas idéias e a clareza de sua expressão… (estou dando uma de professora orgulhosa rsrs).

    Parabéns!

    NMV.

  5. Caio Cerqueira Says:

    Olá Maycon, realmente parabéns pela exposição.
    De fato as declarações de Mott parecem um tanto inadequadas. Entretanto não podemos deixar de nos manter firme no olhar da realidade que nos cerca. E eu – mesmo parecendo está em cima do muro – prefiro dialógar com argumentos trazidos por você e tantos outros assim como também pela visão de Mott. Todas têm elementos que caracterizam essa eleição, que para mim, se resumi ainda em protesto com alto teor de preconceito.
    Abraço

  6. Rafael Digal Says:

    Maycon, eu gostei muito do seu texto, bem conciso, com clareza de idéias e dialogando muito com o que eu penso, me clarificou muitas coisas… precisamos conversar mais…

    espero que o blog dê muito certo!

    vou divulgar!

    Abração!

  7. Luis Marcos Says:

    Muito Bem, Maycon. O problema é que Mott acha que é dono do movimento gay. Critica o autoritarismo, o machismo etc, mas não há nada mais autoritário, patriarcalista e patromonislista do que sua prática no movimento gay.

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