Recentemente tenho acompanhado a repercussão do caso Carlos Castro x Renato Seabra. Antes de entrar na discussão do que anda a ser dito por aí, gostaria de resumir para os amigos brasileiros que não tomaram conhecimento do ocorrido: o primeiro trata-se de um famoso jornalista “cor-de-rosa” (de fofocas do mundo artístico), 65 anos, assumidamente gay, enquanto que o segundo é um manequim de 21 anos, heterossexual e anônimo até pouquíssimo tempo, visto que começou a carreira pouco após conhecer o jornalista, em meados de outubro do ano passado. Pecando pelo meu extremo reducionismo, direi que a história é a mesma: relação contratual. O gay que tem prestígio social e boas condições financeiras e o hetero que tem juventude, beleza e corpo. O desfecho todos nós já conhecemos (sendo mais uma vez irritantemente reducionista): homicídio com requinte de crueldade.
As manchetes que envolvem os depoimentos dos familiares e amigos são claras: como afirmou o antropólogo português Miguel Vale de Almeida em seu blog, “jovem lindo e inocente é pervertido por velho lúbrico do mundo do glamour dominado pelos gays”. A irmã diz que Renato Seabra estava farto de luxúria, o amigo diz que Renato é a pessoa mais maravilhosa que ele já conheceu, que com certeza há alguma “artimanha” nesta história. Portanto o “versus” que pontuei no início do texto é proposital: de fato é corrente a discussão sobre quem seria o bandido do caso. Esta é uma estranha capacidade que a homofobia tem, assim como outros preconceitos, de converter a vítima em culpada. Se as mensagens trocadas entre Carlos e Renato no facebook sugerem uma espécie de relação amorosa (e como toda relação, de negociação de valores, trocas), a família do jovem está convencida de que este não é mais que uma vítima do velho safado. Essa semana o tio de Renato fez um chamado para que fosse explicado “quem era o Carlos Castro, quem era o Renato e apelando a todos para que seja feita justiça tendo em conta história de vida de ambos. Apelo também a todos os que eventualmente foram abusados pelo Carlos Castro, seja física ou psicologicamente, para que se juntem na defesa do Renato”. Neste sentido é muito claro que a identidade sexual (desviante) de Carlos Castro já posiciona-o numa condição de imoralidade e demonização.
Desejando ir além do discurso demasiado “suspeito” dos familiares e amigos, busquei, tanto através de redes sociais como twitter e facebook quanto da blogosfera, o que as pessoas andam a pensar. Percebi as máculas de que está prenhe o reconhecimento da “bicha velha” e como a sexualidade é eminentemente interseccionada por questões de âmbito geracional. O desejo deve escapar à velhice, e quando isto não acontece (e não acontece), o velho torna-se alguém sujo e execrável. Os anos de experiência renderam a Carlos Castro certa habilidade para corromper jovens heteros e ingênuos – mas ambiciosos – Carlos Castro foi vítima dele mesmo. Justifica-se assim a criação da taxativa comunidade no facebook “Renato Seabra – Deus é grande e vai haver justiça”, que já beira 6.000 membros, a petição pública pela extradição do jovem de Nova York (local onde aconteceu o crime) para Portugal, que já ultrapassa as 2.000 assinaturas e a ponderação por parte dos amigos da criação de uma conta de solidariedade para pagar pela defesa de Renato Seabra assim como de eventos promocionais com o mesmo intuito. Renato Seabra agiu não apenas em sua legítima defesa como na defesa de todos os jovens heteros, belos e dispostos.
Segundo a página Dezanove.pt, um leitor do Público online declarou: “não choro uma lágrima pela morte desse sujeito. Choro sim pela vida destruída do jovem (…)”. Judith Butler tem razão. Como sentenciou a filósofa, “certas vidas serão altamente protegidas, e a violação das suas exigências de santidade será suficiente para mobilizar as forças da guerra. E outras vidas não encontrarão apoio tão rápido e tempestuoso e não serão sequer qualificáveis como ‘lutificáveis’.”
Tags: Carlos Castro, homofobia, Portugal, Renato Seabra
janeiro 25, 2011 às 6:26 am |
Gostei muito, Maycon!
janeiro 25, 2011 às 12:06 pm |
É fogo…
seu texto está muito bom, Maycon.
janeiro 25, 2011 às 3:19 pm |
parabéns pelo seu texto. na mouche! equilibrado e assertivo, está lá tudo.
janeiro 26, 2011 às 1:15 pm |
Muito bom.
janeiro 28, 2011 às 3:55 pm |
Lindo, excelente reflexão… mas a polêmica não precisava ser grande se respondessesmos a esta pergunta: quem tem direito a vida? Não é? Coisas desgastantes…
fevereiro 4, 2011 às 1:36 pm |
lindo!!
fevereiro 5, 2011 às 4:09 pm |
HOMOFÓBICO. RACISTA. PRECONCEITUOSO. ANORMAL. NÃO HÁ JUSTIFICAÇÃO PARA UM ASSASSÍNIO TÃO CRUEL E DESUMANO.
fevereiro 11, 2011 às 7:23 pm |
Veja este vídeo do Carlos Castro e diga-me se esse assassino filho da puta não merece a pena de morte: http://www.youtube.com/watch?v=0dET1iwpNb8&hd=1